Onde diabos se enfia a ética?

Lendo hoje, um pouco atrasado, devo confessar, a edição dessa semana da Veja, vi um artigo interessante chamado “Aula de ética é em casa, não na escola”, de Gustavo Ioschpe. Falava a respeito da inutilidade do ensino de ética como conteúdo prático nas escolas (e faz uma ressalva dizendo que isso deve estar presente em ações, que eu entendi como extra-curriculares, por assim dizer). Fiquei um pouco incomodado. Observando, então, meu direito à liberdade de expressão resolvi compartilhar com meus três leitores o que isso me suscitou.
Primeiramente, acho que há um problema nessa questão de lugar onde ensinar seja lá o que for. Segundo o autor, há um equívoco na conduta de nosso educadores e do MEC no que diz respeito ao lugar onde esses tais valores devem ser colocados para os alunos. Ele defende que tais colocações éticas devem ser incumbidas aos pais desses alunos, em casa, de maneira que o tempo na escola seja melhor utilizado, dando ênfase nas disciplinas que, na falta de termo melhor, e com um quê de deboche, vou chamar de produtivas. Realmente eu não consigo ver essa dissociação. Embora seja óbvio que existam diferenças entre o espaço-escola e o espaço-casa, entendo o sujeito que entre eles transita como alguém que invariavelmente mistura esses espaços, exercendo-se como aprendeu (aprendizado esse que fez sozinho com o que lhe apresenta o mundo, diga-se e passagem, pois isso está além do controle total de qualquer um). É de comum acordo, creio que a criança ou adolescente, ou adulto, não é capaz de entrar no modo-escola, modo-casa, modo-trabalho, ou seja lá que imperativos operacionais ele pudesse dispor para estar nesse ou aquele lugar. Veja bem, não nos faltam casos de pessoas que se aborrecem em um desses locaise levam consigo esse aborrecimento para o outro. Como poderia ser diferente? Não é opcional, é operacional, por mais que tentemos nos portar de acordo com o lugar onde estamos (porque também é notável as inúmeras coisas que buscamos fazer que se opõem ao que fazemos de fato). Sobre ética, mais especificamente, me ocorre que trata-se realmente não de uma disciplina a ser passada, contando com uma passividade do aluno que realmente não existe. Por outro lado, discordo quando dizem que deve ser dissociada de qualquer outra coisa. O próprio exemplo da cola, dado pelo autor, me sugere que isso permeia qualquer disciplina e qualquer espaço. É algo que nos orienta o comportamento. Não para o certo ou errado, mas simplesmente é como conduzimos as coisas, quer o senhor diretor, pai ou juiz goste ou não. A ética está mais para uma parte do nosso, digamos, sistema operacional, e não para um programa. Taí, se fizermos uma analogia com um computador , poderíamos pensar nas disciplinas que aprendemos, ou não, como programas executáveis específicos. A ética é parte do sistema operacional, que dependendo de como tenha sido escrito, permite determinadas ações e outras não. O Windows me permite fazer uma ação com um duplo-clique, o Linux não. Assim, minha ética não me permite colar em uma prova, diferente do Fulaninho, que cola e passa na escola.
Seja como for, ainda temos a problemática do lugar adequado para se fazer isso e sendo bem objetivo, acredito no seguinte: ilude-se quem imagina que a escola seja um local onde as pessoas vãos para absorver informação. Matérias úteis. Isso me lembra Matrix, onde o Neo aprende um monte de coisas úteis (artes marciais!!!) fazendo download de programas .exe através de um plug na cabeça. Entendo a escola como mais um espaço de desenvolvimento do sujeito, como sua casa, a rua, a cadeia, o Piscinão e Ramos ou a igreja. É um local onde sujeitos se expõem a encontros e esbarrões, e vão buscar material para acrescentar no seu sistema operacional. Esse material pode ser Matemática, Física, roubar o dinheiro do lanche de alguém, surrar o carinha que pega o dinheiro dos outros, ou convencer esse cara a devolver o dinheiro. Enfim, pode ser muita coisa e honestamente acho um pouco de presunção dizer o que se aprende ou não na escola, uma vez que cada um aprende qualquer coisa que está disposto e lhe seja possível. Essa é a única máxima que consigo ver: sendo a escola um local de encontro entre pessoas, o que emerge daí é imprevisível, portanto não se engessa esse aprendizado. E isso vale tanto para nossas queridas disciplinas produtivas quanto para nossa ética. Sendo assim, acredito fazer muito mais sentido pensarmos como é o nosso sistema de ensino, que metas ele tem e como busca essas metas. Particularmente acredito que existam muitos problemas no nosso sistema e os mais importantes ainda estão meio escondidos. Pergunto se a escola tem realmente que ser um lugar onde aprendemos a fazer equações matemáticas bizarras e deixamos, com isso, de vivenciar a importância de ler um jornal.