Nostalgia e Vodca

Como de costume, eles se encontraram no Madruga. Como de costume, Samuel estava de cara fechada e Bonfim com aquele sorriso de quem está arrumando sarna pra se coçar. Como de costume. Sentaram-se na mesma mesa e sempre. Uma bem no canto, de onde podiam observar o movimento, olhar para as prostitutas e ficar perto o suficiente do balcão para ouvirem qualquer segredo que não lhes dissesse respeito.
- Então, Samuca, porque essa cara de bunda?
- Não estou com cara de bunda.
- Está sim. Você sempre está com cara de bunda, mas hoje está pior. Dá até pra achar que andou chorando. O que foi? Perdeu a mulher? De novo?
- Não, idiota. Não é nada disso. É só que eu estou meio chateado. Na que não vá passar sozinho.
- Ah, sei. Quer falar sobre isso o que está acontecendo?
- Não.
- Foda-se. Olha, cara, eu te conheço há pouco tempo, mas a gente já compartilhou mais coisa nesse tempo do que a maioria das pessoas compartilha a vida inteira. E olha que somos dois sujeitos difíceis. Mas você um dos poucos amigos que tenho. E o único que eu tenho no raio de alguns quilômetros. Então pare de showzinho e fala logo o que se passa.
- Você é um saco, sabia? Porra, é que eu estou meio chateado com o rumo que as coisas tomaram. Bem, não é bem isso. Eu estou onde estou por vontade própria. Você sabe, que eu sou pior que uma mula quando decido pegar a esquerda em ã ao direita.
- Deus, se sei. Chega a ser meio burro.
- Tá, ta. Pediu que eu fale, agora senta o rabo e ouve. A verdade, cara, é que eu estou um pouco nostálgico.
- Ah, cacete! É isso? E eu achando que o mundo ia acabar. Tipo aquela vez que...
Samuel olhou para Bonfim com os olhos cerrados, uma cosa que em qualquer outro sujeito, para ele, seria ridículo. Bonfim não era um cara de se intimidar facilmente. Na verdade, pode-se dizer que é, em situações normais “inintimidável”, como gostava e dizer. Mas talvez seja porque Samuel fosse um cara ainda mais soturno do que a maioria das coisas que Bonfim encontrou (salvo uma exceção), ou então porque levava o amigo em tão alta conta que se assustou com a possibilidade de estar se excedendo e magoá-lo. Ele ficou quieto.
- Andei um tempo pensando em umas coisas, como elas eram quando eu era moleque. Sabe, nada de assombroso. Talvez essa seja a parte do Samuel que você menos conheça, porque não envolve nada daquilo com o que a gente costuma se envolver. É normal, e por isso, pode soar anormal. Quando era moleque, ainda no tempo de escola, eu tinha uma galera com quem costumava andar. Foi meu período mais junk, por assim dizer. Foi um tempo bom, sabe? Toda essa porra de morte, família, morte em família, morte dos outros, a minha própria. Tudo isso era uma besteira tão desimportante que só aparecia nas músicas que ouvia. A gente ouvia Pearl Jam, tomava vodca vagabunda, comia biscoito e tentava comer alguém. Era nosso mundo. Por alguma razão eu tenho a impressão de que foi o tempo mais feliz da minha vida. Mas eu fico é danado de pensar assim, porque, como a gente sabe, não dá pra viver com a venda da juventude pra sempre. Pelo menos não pra sujeitos como nós. Aí eu fico pensando se tomei as decisões mais acertadas, se deixei de fazer as coisas certas. Fica a impressão de que se antes era tão bom e se hoje eu sinto falta, é porque tem coisa errada. E você sabe como odeio errar.
- Hum. Acho que entendo.
- Então. É assim que...
- Você está ficando velho...
- O quê?!
- Você está ficando velho. E surdo, parece.
- Seu imbecil, eu estou falando sério e você...
- Eu não. Fico cada dia mais esperto. Samuel, meu velho, eu vou te falar uma coisa. Não precisava estar falando isso, porque foi você mesmo que me ensinou, paspalho. Sabe muito bem que a gente tem um fardo: viver especulando sobre como as coisas seriam se você tivesse feito algo diferente em um ponto da sua vida. Besteira! Sabe por quê? Porque você não pode comprar uma fantasia com a realidade. É uma competição desigual. Eu sei. Você sabe. A realidade é cheia De lixo, gente escrota, sangue e lágrimas. Tem outras coisas também. A fantasia é só esse mundinho de mentira que você acha que poderia ter. Acha que pode ser adolescente pra sempre? Não pode. Porque mesmo que compre uma camisa de banda e uma garrafa de vodca, o que vai virar é um mendigo. Se tiver sorte vai ser um sujeito adulto vestido de criança. Que nem um escoteiro! E você, pra escoteiro, precisa morrer uma segunda vez, meu querido. Escuta, cara. Não é raro se sentir desse jeito. Não mesmo. Tenho certeza que você está assim porque tem alguma merda fedendo ai no seu quintal. Nem quero saber o que é. Não hoje. Olha à sua volta, Samuca. Sua vida é essa maluquice porque você quis assim. E é disso que você gosta. Pode gostar de um pouco de tolice juvenil de vez em quando, mas não pra sempre. Não pra que isso seja sua vida. Camisa de banda! Há! Essa é de rachar o bico!
- Verdade. Sabe, Bonfim, você é um cara esperto. Não tanto quanto pensa que é, mas o suficiente. Manda o Siri trazer uma vodca vagabunda. Vamos espremer essa idiotice e ver se sai algo de bom...

Ao mestre, com carinho

Aí o MEC está fazendo um monte de propagandas sobre o professor, né? Por um monte, leia-se duas, mas é mais propaganda do que a Coca Cola tem feito ultimamente (essa do besouro eu já vejo faz tempo!!!). Claro, as pessoas já gostam de Coca, por isso não precisa de tanto. Já de ser professor... bom, a coisa não é bem assim, como todos sabem. Isso me lembra aquela apresentação do Chico Anysio que todos conhecem por terem visto no Jô. “Ah, uma família de professores e a senhora vai e vira puta!?”. “Dei sorte, meu filho. Dei sorte...”. É, minha gente, quando a coisa vira piada, é porque está de fato perigosa. Vide as gozações sobre o Sarney e companhia limitada. Veja bem, eu gosto muito de sátiras. Na verdade é minha principal fonte de informação a respeito de coisas que não presto atenção no cotidiano. Voltando ao professor. Minha mãe é professora e eu digo a vocês: não recomendo. Ganha mal, trabalha muito, geralmente não é bem quisto pelos alunos – e olha que ela é professora de educação física! Imagine se fosse de matemática ou química, ou física. Digo isso porque, de modo geral a visão da molecada é a de “nós e eles”. Aliás, “nós contra eles”, marca registrada dessa idade terrível, a adolescência. Sabe como é: a instituição é errada, não serve pra nada, eu enquanto indivíduo jovem é que tenho razão, vamos transgredir e etc. Claro que eu já fui assim. Você também, de um jeito ou de outro. Mas, para não dar muita lenha pra esse papo, retorno à propaganda em si. Acho interessante, mas isso me alarma um pouco. Veja, ninguém faz propaganda de água, por exemplo. Nem de arroz com feijão (com exceção do ministério da Agricultura, o que é um desaforo se você parar pra pensar. Com q quantidade de gente obesa, o governo devia colocar suas necessidades econômicas depois da saúde, mas quando dizem “coma arroz com feijão”, eu escuto um grande “COMPRE... blá blá blá, se fode aí”). A razão disso, é que ninguém precisa ser lembrado de beber água. Da mesma forma que todos sabem... que devem comer arroz com feijão. Quando se faz a propaganda de alguma coisa, você quer chamar a atenção do público para algo que ainda não tem essa atenção. Por isso fico preocupado com essa propaganda do MEC. Ela denuncia que não há a devida atenção com nossos queridos professores. Logicamente não estou falando novidade alguma. O que acho mais obscuro, porém, é o seguinte: quanto o governo paga para esses professores? Quer dizer, se o salário está vinculado ao nível de trabalho. Em uma empresa, quem desempenha a função mais importante, seja no campo administrativo, de produção, de saber ou tecnologia, ganha mais. Aí você vem e diz que o professor é o cara mais importante da paróquia, mas paga um salário sem vergonha pros caras!!!! Das duas uma: ou você está mentindo, e esse sujeito não é tão importante assim, ou você não leva muita fé no que diz. Aliás, esse lance de propaganda é uma coisa engraçada: quando não se está falando de um produto, pode reparar, só se faz propaganda quando a coisa vai mal. As pessoas só se preocupam em mostrar os pontos fortes, sejam eles reais ou mentirosos, de alguma coisa quando os pontos fracos começam a pipocar. Na boa, o nosso governo é uma piada. E pensar com o salário de um aspone você paga 2 ou 3 professores.